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Ilhéus das Falklands pedem fim de disputa pelas Malvinas 40 anos após guerra


CyberLady
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Governo e moradores reclamam de isolamento imposto por pleitos de soberania argentina

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Stanley (ilhas Falklands/Malvinas)

Quarenta anos atrás, Tony Heathman, 73, tinha uma fazenda para criação de gado e ovelhas a pouco mais de 30 quilômetros de Stanley, capital das ilhas Falklands. Naquele 1982, soldados argentinos chegaram ao arquipélago —para eles, as Malvinas— numa missão carimbada com o patriotismo patrocinado pela ditadura em crescente descrédito, então com o general Leopoldo Galtieri à frente.

 

Batalhas foram travadas de abril a junho e se encerraram depois de o governo de Margaret Thatcher mandar tropas ao local. Após a rendição de Buenos Aires, o saldo foi de 649 mortos do lado argentino e 255 do britânico. Mas a causa permanece sensível no país sul-americano.

 

Nascido no arquipélago, como a mãe, Heathman tem uma opinião contundente sobre os insistentes pleitos da Argentina pela soberania do local: "Apenas nos deixem em paz!" Para o hoje proprietário de uma empresa de turismo, a insistência no tema é irritante. "Não queremos virar parte da Argentina, queremos viver nossa própria vida", diz.

 

A autodeterminação é o principal argumento usado pelo Reino Unido e pelos próprios ilhéus para tentar convencer a comunidade internacional a rejeitar a posição de Buenos Aires. Em 2013, 98% dos habitantes votaram em referendo por permanecer como território britânico. Nas ruas, o sentimento é de que a visão de Heathman é quase unanimidade.

 

Ante a Guerra da Ucrânia deflagrada neste ano, os habitantes das Falklands agregaram ao discurso o exemplo do apoio recebido por Kiev após a invasão pela Rússia.

 

"Não pedimos nada além do que a Ucrânia pede", diz Roger Spink, membro da Assembleia Legislativa local. "Os argentinos querem nos trazer de volta a um Estado colonial", completa seu colega de Parlamento Gavin Short.

 

No mês passado, uma comitiva de mais de cem ex-combatentes e parentes de vítimas da guerra esteve no arquipélago para lembrar os 40 anos da guerra. Eles visitaram memoriais e locais de batalha e desfilaram em Stanley numa fria e chuvosa manhã de domingo.

 

A princesa Anne, irmã do rei Charles 3º, também foi às ilhas para homenagens aos soldados britânicos mortos no conflito e participou de uma cerimônia no Memorial da Libertação, que é como os locais veem a vitória de Londres.

 

O governo do Reino Unido convidou para o evento, além da imprensa do país, jornalistas de Chile, Argentina, Uruguai e Brasil (representado pela Folha), como parte do esforço para tentar buscar apoio na comunidade internacional.

"Em geral —e a ONU deve concordar, se pensar direito—, se as pessoas votam por pertencer a um governo, elas devem pertencer a esse governo", diz o contra-almirante Jeremy Larken, que comandou tropas britânicas na guerra e integrou a comitiva de novembro.

 

Embora não esperem novas incursões argentinas, os ilhéus avaliam que a insistência com as reclamações de soberania isola política e comercialmente uma

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. Governo e moradores acreditam que o reconhecimento formal do status como território britânico geraria oportunidades para melhorar a vida dos 3.662 habitantes, contados pelo Censo de 2021.

 

Alimentos, roupas, eletrodomésticos e outros bens são trazidos, em sua maioria, da Inglaterra, a 13 mil quilômetros. O Uruguai, único país da região com quem as Falklands mantêm relações comerciais, fornece alguns produtos alimentícios.

 

O isolamento diplomático dificulta o fluxo de gente, já que só há uma linha aérea comercial, que parte uma vez por semana de Punta Arenas, no Chile —dois voos semanais saem da Inglaterra, mas operados pelo Ministério da Defesa.

 

Uma linha entre Guarulhos e o aeroporto militar de Mount Pleasant foi iniciada no fim de 2019, mas suspensa com a pandemia e nunca mais retomada. Os ilhéus culpam a Argentina pela perda de conexão com o Brasil, e a Latam, que enfrenta dificuldades financeiras, disse que não há prazo para a rota retornar.

 

Uma das consequências esperadas com a ligação com São Paulo era o aumento do fluxo de viajantes a lazer, reduzindo a dependência da pesca, hoje responsável por 63% do PIB local. O turismo é a terceira atividade econômica mais importante, mas ainda muito baseada nos cruzeiros que vão à Antártida.

 

Na temporada de 2019/2020, por exemplo, as ilhas receberam 1.900 turistas por avião, enquanto por navios chegaram 73 mil visitantes. "O turista de cruzeiro compra uma ou outra refeição e suvenires, mas o que se hospeda aqui fica em hotel, faz todas as refeições do dia...", compara a diretora de Políticas do governo local, Amanda Curry Brown. "O desafio é a conectividade internacional."

 

Ela diz que o governo vem tentando retomar o voo para São Paulo, mas há um temor de que a guinada à esquerda de governos da região seja mais um obstáculo. Com as vitórias de Gabriel Boric no Chile em 2021, Gustavo Petro na Colômbia e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Brasil em 2022, a expectativa é que os países tenham maior alinhamento com o governo de Alberto Fernández na Argentina —ainda que, em crise, o peronismo vá enfrentar uma difícil sucessão no ano que vem.

 

"Gostaríamos que Lula falasse sobre nossa autodeterminação também", diz Spink, "Não é uma questão entre britânicos e argentinos. Todos esquecem que há pessoas aqui demandando seus direitos."

 

As Falklands são hoje um território além-mar do Reino Unido, mas seus habitantes defendem que a única dependência dos britânicos está relacionada à capacidade de defesa contra uma eventual nova ofensiva de Buenos Aires. Segundo o governo, não há suporte financeiro de Londres. A arrecadação anual com taxas e impostos gira em torno de 100 milhões de libras (R$ 640 milhões) e as despesas, em torno de 90 milhões de libras (R$ 576 milhões).

Além do Imposto de Renda, grande parte da receita vem de licenças de pesca e de taxas cobradas sobre a venda de lã, atividade tão relevante que a bandeira do arquipélago leva o desenho de uma ovelha —o rebanho atual tem 500 mil cabeças.

 

Curry Brown diz que o governo tem boa capacidade de financiamento, o que lhe permite ainda buscar empréstimos para financiar um plano quadrienal de investimentos, que prevê ampliação do porto, melhoria na disposição do lixo e modernização da usina de geração de energia a óleo.

Governo e população chegam a falar em independência, caso a Argentina desista de reclamar soberania. "Os britânicos dizem que nos apoiarão até que queiramos ser independentes, mas ainda somos muito pequenos para isso", avalia Spink.

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Ovelhas na região de Goose Green, nas ilhas Falklands; a criação dos animais é um dos principais motores da economia local, e há 500 mil ovelhas para 3.600 habitantes - Eduardo Anizelli/Folhapress

"Vou morrer em um território britânico por causa da Argentina", completa Short, para quem a retomada da confiança no país vizinho levaria "ao menos duas gerações", mesmo após eventual desistência do pleito de retomada.

 

A falta de relações com Buenos Aires impede que a ilha estude uma solução definitiva para um dos principais efeitos do isolamento no dia a dia da população: a conexão com a internet, hoje via satélite. Turistas, por exemplo, dependem de cartões de acesso que custam entre 5 libras (R$ 32) por uma hora e 30 libras (R$ 192) por 24 horas de serviços lentos e intermitentes.

 

Os habitantes têm dificuldade para acessar serviços de streaming, como Netflix, e usam estratégias como baixar filmes e séries durante a madrugada, para assistir durante o dia, ou em viagens. Para quem não tem essas possibilidades, ainda há

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—serviço cada vez mais raro no resto do mundo.

 

O governo chegou a estudar uma conexão por cabo óptico com o Brasil, mas o investimento não se justifica diante do pequeno número de habitantes. O ponto mais próximo do arquipélago, na Argentina, nem sequer é cogitado, tanto por razões diplomáticas quanto por segurança.

 

Os jornalistas Nicola Pamplona e Eduardo Anizelli viajaram a convite da Embaixada Britânica no Brasil

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