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[fanfic][+leitura -ignorância]Starved Capítulo 1 e 2


MacacoFedido
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Capítulo 1:

O celular tocava sem parar na sala de estar. Eu estava com muito sono.

 

Já era oito da manhã em um sábado e eu não havia conseguido dormir.

 

Sou um simples executivo que não tem uma vida empolgante. Nada demais, afinal de contas.

 

Levantei-me com todas as forças possíveis e sai do quarto, caminhando pelo corredor.

 

O chão de madeira estava gelado. Meus pés, então descalços, faziam barulho pela casa silenciosa e até solitária.

 

Já na sala, fui em direção à pequena mesa que ficava no centro, com os sofás envolta.

 

Peguei o celular e o atendi. Era referente ao meu trabalho. Meu chefe informou que por conta da nevasca não teria como ir para o serviço.

 

Ele não fazia a ideia do quanto aquele telefonema me deixou grato.

 

Neste dia, eu realmente não aguentaria mais um minuto daquele trabalho miserável.

 

Abri a cortina da janela, mas parecia que haviam colocado uma placa branca, tampando totalmente a visão de fora. Nem um palmo sequer eu conseguia visualizar por causa da nevasca.

 

Por um momento, senti certa vibração pelos pés. Depois os fitei e senti essa vibração aumentar, agora mais para um tremor, fazendo os objetos do recinto se movimentarem pela intensidade.

 

Nada anormal.

 

Sempre alguma vez no ano acontecia esse tipo de coisa naquela merda de lugar.

 

Dei de ombros para mim mesmo, liguei a TV e me espalhei pelo sofá.

 

Mas a maldita estava com uma leve interferência, dificultando a visualização dos canais. Levantei-me novamente, procurei um filme qualquer, inseri no DVD player e voltei a sentar-me no sofá.

 

E então, outra vibração, outro tremor. Bem mais intenso que antes. Ouvi pratos se espatifando da cozinha.

 

Respirei fundo, pausei o filme e fui até a cozinha. Havia um montinho de cacos perto da pia. Peguei os pedaços mais grossos com a mão e varri o resto, jogando em um saco de plástico preto.

 

Vesti meu casaco, peguei o saco e me fui até a porta de entrada da minha residência.

 

A nevasca ainda estava forte, porém eu podia visualizar o que tinha ao meu redor. A rua estava totalmente deserta, obviamente, se é que o que eu estava vendo era exatamente a rua, pois mal dava para ver o pavimento.

 

E então, outro tremor. E um barulho ensurdecedor de algo se partindo.

 

Quando olhei para trás, vi uma rachadura enorme se abrindo mais e indo na direção da minha casa.

 

E minha casa partiu-se ao meio.

 

Os escombros fizeram o chão tremer, mais do que já tremiam, me fazendo perder o equilibro.

 

Tentei recuperar minha sanidade e levantei-me rapidamente, correndo o mais rápido para longe dali.

 

Eu passava e via as casas desabando, o tremor só se intensificando, carros saindo numa velocidade absurda e vindo na minha direção, quase me atropelando.

 

Continuei correndo o máximo que eu conseguia. Meus pulmões pediam clemência, mas eu estava em pânico.

 

Finalmente vi sinal de pessoas, mas todas corriam para direções aleatórias, totalmente apavoradas e gritando de terror quando aquela catástrofe entrava em ação.

 

Apenas continue correndo, mas eu estava exatamente igual aquelas pessoas: sem rumo algum. Fugir para onde, afinal?

 

Tropecei em um escombro e caí de joelhos no chão, minhas mãos pousando em pedaços de vidraças. Quando as tirei rapidamente, senti aquele maldito ardor, e minhas mãos levemente ensanguentadas. Tentei não me apavorar mais do que eu já estava apavorado.

 

Maldito frio. Imaginei o que eu iria passar se eu não tivesse pego o meu casaco antes de sair da minha agora então destruída casa.

 

Eu me levantei e comecei a correr, outra vez. Só que em um ritmo um pouco mais lento, tentando não ficar entre escombros ou passagens da rua.

 

Eu vi pessoas sendo arrastadas por carros vindo com toda velocidade, perplexo. Nunca imaginei ver aquilo em minha vida. A bile em minha garganta veio à tona.

 

Olhei mais para frente e vi caminhões tombados, e muitas pessoas saqueando-os.

 

Não conseguia entender a natureza humana poderia se transformar tão selvagem em tão pouco tempo.

 

Vi uma mulher próxima desesperada, gritando tanto, que parecia que sua garganta queria se rasgar. Ela gritava o nome de alguém. Eu queria ajudar.

 

Mas sei que eu não conseguiria mesmo que tentasse. Quem quer que ela estivesse procurando, talvez, nem esteja mais entre nós.

 

Pois então segui em frente. Sem olhar para trás.

 

Veio o cansaço. Veio a fome. Veio o sono. Tudo de uma vez, por fim.

 

Os flocos de neve batiam em meu rosto, que já estava dormente de tanto frio. Não sentia meus lábios, mas com certeza estavam todos feridos.

 

Já estava anoitecendo. E definitivamente, não foi o dia que eu esperava ter. E muito menos esperava esquecer.

 

Eu me perguntava: foi apenas um terremoto? O quão grande esse terremoto foi?

 

Nada me vinha. Mas isso não importava por hora. Eu só queria um local para dormir e de preferência algo para comer.

 

Eu entrei em um estabelecimento quase intacto, mas muito empoeirado e as sem iluminação alguma. Quando percebi, consegui por um minuto me animar.

 

Estava numa loja de conveniências.

 

Havia suprimentos por todos os lados, mesmo que esparramados, derrubados, abertos no chão ou desordenados nas prateleiras, e me recompus.

 

Achei e peguei alguns pacotes com carne e outros alimentos salgados, até doces.

 

No entanto tive uma ideia excelente para me livrar de todo aquele frio por um momento.

 

Fui até os fundos do estabelecimento e achei uma lata de lixo bem alta, e a trouxe comigo.

 

Peguei revistas que estavam numa das prateleiras do balcão do caixa e as joguei dentro do lixo. Procurei então por fósforos, algo que me fizesse ter fogo, simplesmente.

 

Felizmente havia uma prateleira com várias caixas de fósforos disponíveis para eu usufruir. Eu tinha que admitir: sortudo. Eu era muito sortudo.

 

Voltei para a onde havia deixado a lata de lixo e rasguei uma folha das revistas, acendendo um palito e colocando fogo nela. Depois, joguei a folha dentro do lixo, e rapidamente, tudo dentro dele começou a queimar.

 

Sinceramente, o conforto daquele calor até me acalmou.

 

Entretanto, eu não sabia como eu ia comer alguma coisa. O que mais havia para comer que não necessitava de preparo eram sacos de salgadinho, mas aquilo de jeito nenhum faria minha fome dissipar. Talvez até me faria passar mal. Então fiquei pensando por um momento.

 

Precisava de uma grade, algo do gênero. Lembrei-me de onde as revistas estavam. Aquele suporte era parecido com grades.

 

Agi rapidamente então, quebrando o que as segurava do balcão, quase tombando para trás com a força que utilizei. Coloquei aquele suporte como uma tampa encima da lata de lixo.

 

Sim, fazer o que eu estava fazendo era um insulto à higiene. Mas era preciso.

 

Abri os pacotes de carne, e os coloquei cuidadosamente encima do suporte de grade. Rapidamente a carne começou a assar, e eu pude sentir aquele cheiro delicioso. Meu estomago murmurou, mas fui paciente.

 

Olhei para fora. Estava tudo muito silencioso. E a neve estava mais calma que antes. Porém quase não havia iluminação. Apenas onde eu estava, por causa da lata de lixo.

 

Quando a carne já estava no ponto, as retirei e coloquei encima do pacote para esfriar um pouco, mas não consegui esperar por muito tempo. Comi como se eu tivesse passado uma semana fazendo jejum. E ainda sobrou bastante carne.

 

Eu joguei mais algumas revistas dentro do lixo, para que o fogo permanece-se por mais tempo e me recostei em um canto do local.

 

Meus olhos pesavam. E em poucos momentos, deslizei para um sono profundo.

 

 

---

 

 

– Ei. – escutei uma voz murmurar baixo. Em um solavanco levantei e recuei.

 

– Desculpe! Não se preocupe, não vou fazer nada.

 

Fitei então a direção de onde a voz havia saído, era suave e doce, e me deparei com uma garota. Aparentava ser uma adolescente. Não imaginei que uma pessoa com essas características vindo até a mim naquele momento.

 

Me permiti relaxar um pouco. Na verdade, não sabia porque fiquei tão alarmado.

 

– O que quer? – perguntei, sem delongas.

 

– Tem algo pra comer aqui? Ou já pegaram tudo, como nos outros locais? – perguntou ela, um pouco angustiada.

 

– Na verdade... tem bastante. – respondi-lhe, me sentando. – Eu assei algumas carnes e tem bastante sacos com biscoitos pra comer, bebidas também, mas não achei água alguma.

 

– Finalmente... sério, obrigada. – respondeu ela, dando um suspiro, e adentrando mais o local, indo em direção à lata de lixo.

 

– Sem problemas. – respondi, levantando-me

 

– Você já vai? – perguntou ela, mastigando a carne assada.

 

– Na verdade, não. – respondi, olhando-a de soslaio. Adolescentes eram tão curiosos.

 

– Qual o seu nome? Meu nome é Joana.

 

– É Carl.

 

– O que você vai fazer agora, Carl?

 

– É uma pergunta bem difícil, devo mencionar. – respondi, suspirando longamente. – Você está sozinha por acaso?

 

– É... pelo jeito sim... – respondeu ela, um pouco baixo demais.

 

Decidi não me aprofundar muito nesse assunto.

 

– Você mora por aqui?

 

– Não... nem ao menos sei em que cidade estou. Apenas me afastei o máximo quando tudo começou.

 

– Não achou ninguém pra acompanhar você?

 

– Não. Não há mais ninguém. – respondeu ela, mais amarga agora.

 

Decidi então realmente mudar de assunto.

 

– Quantos anos você tem?

 

– 15. E você?

 

– 29. – respondi, fazendo certa careta. Provavelmente ela achava que eu era como um avô para ela.

 

– Você também está sozinho?

 

– É.

 

– Você parece ter um bom senso de sobrevivência. – falou ela, aparentando segurar uma risada.

 

– Receio que você esteja certa. De preferência que realmente esteja. – respondi, abrindo um saco de biscoitos próximo.

 

– Então... para onde você vai agora?

 

– Dizem que o sul é um lugar que costuma não ter terremotos. – comentei, mas não sabia se era verídico.

 

Então, comecei a ouvir passos. Levantei a mão, sinalizando para que ela não falasse. Ela me fitou apreensiva, olhando ao redor.

 

Não eram passos de uma pessoa, na verdade, parecia um grupo de pessoas andando. Conseguia ouvir múrmuros, mas não compreendi o que elas diziam.

 

– Você vai ver...? – pronunciou ela, quase em um sussurro.

 

– Eles com certeza vão passar aqui, mas podemos pedir informação... pois não faço a mínima ideia de onde estou também. – admiti, caminhando até a entrada da loja.

 

Quando olhei na direção de onde vinham os passos, me surpreendi.

 

O grupo, com aproximadamente sete pessoas, estava com roupas imundas e armados. E havia alguma coisa vermelha nessas vestimentas, que não quis ficar muito tempo para realmente constatar o que era.

 

Mas não tive tanto tempo de sobra.

 

– Pega eles! – um deles berrou, e todos os restantes fitaram nossa direção. Quando vi o rifle apontado para nós, paralisei.

 

Olhei para Joana, que estava mais atônica que eu, e levantei os braços, acenando para que ela efetua-se o mesmo gesto.

 

O grupo se aproximou e puxou meus braços para baixo, prendendo-os atrás das minhas costas. Minha real preocupação era com Joana. Afinal, ela era só uma adolescente, seja lá o que eles queriam conosco.

 

– O que vocês querem? Por favor, deixem a garota. – pedi o mais calmo possível.

 

– Isso é Deus! Ele quer sacrifícios! Ele mostrou sua ira contra nós! – respondeu o mesmo homem que comandou que nos pegassem. Sua voz parecia uma hiena gritando, e com certeza ele não batia bem da cabeça.

 

– Isso não faz sentido algum! – gritou Joana apavorada.

 

– Cale-se, menina! – berrou o homem, aproximando-se dela.

 

– Não! Deixe-a! Ela é só uma criança! – berrei.

 

Ele deu uma coronhada forte na cabeça de Joana, fazendo-a impactar com o chão com força total. Simplesmente me desesperei.

 

Dei uma cotovelada no outro rapaz que prendia meus pulsos, e fui para cima do homem, que provavelmente era o líder.

 

Mas senti algo batendo no meu crânio. E daí, vi apenas a escuridão.

 

 

---

 

 

Eu não sabia onde eu estava, mas minha cabeça latejava de dor. Meu corpo estava dormente. Não conseguia arranjar forças para movimenta-lo.

 

Havia quatro pessoas ao meu lado. Três homens e uma mulher, como uma fileira, recostados na parede.

 

Mas a mulher não era Joana. Nem havia sinal dela.

 

Mal conhecia a garota, mas o fato de eu a ter visto levando aquela coronhada me deixou muito chocado.

 

Como alguém poderia fazer algo do gênero à uma simples garota, que não tem como revidar? Estou furioso com isso e irritado, pois não faço a mínima ideia do porquê que nos pegaram sem mais nem menos.

 

O líder, se aproximou, falando em voz baixa, como se estivesse orando. Levantou o homem que estava na ponta da fileira, o despiu, deixando-o totalmente nu.

 

Quando fitei o que estava mais à frente, fiquei mais perplexo do que nunca. E não acreditei no que com certeza iria ser feito em seguida.

 

Havia vários pedaços de madeira queimando, amontoados num canto do recinto. Havia um certo círculo no centro do amontoado, ajustado propositalmente, imaginei.

 

Levantaram um tipo de poste metal atrás do homem despido, e o amararam lá com uma corda grossa.

 

Colocaram-no no círculo que não havia madeira sendo queimada. O homem começou a murmurar e se mexer levemente, mas provavelmente estava que nem eu, debilitado e sem forças. Então, o líder e outros homens, empurraram as madeiras queimando para mais perto dele.

 

Eu apenas fechei meus olhos. De forma alguma veria aquilo.

 

O cheiro era horrível. Senti uma ânsia enorme para vomitar, mas não tinha forças nem para isso.

 

Efetuaram o mesmo processo com a mulher.

 

Não. Eu não estava aguentando mais aquilo. Preferiria ser queimado vivo primeiro que todos do que saber que aquilo estava sendo feito da minha frente.

 

Pior que o cheiro, era a alma desumana das pessoas que estavam fazendo aquilo.

 

Mas sabia que minha vez estava próxima. Bem próxima.

 

Onde estava Joana?

 

Engoli um seco. Não.

 

Por favor, que isso não tenha acontecido com ela.

 

Porém, se ela foi pega e não estava ali... a única constatação era essa.

 

Respirei fundo, tentando ignorar esses pensamentos. Eu estou sozinho, afinal. Desde o início estive. Mas no fundo sei que ficar sozinho é muito ruim.

 

Tentei mexer minhas pernas. Finalmente algum sinal de vivacidade delas. Mas ainda estavam muito moles.

 

O homem ao meu lado parecia ter recobrado um pouco suas forças também, porque não parava de se remexer. Mas tinha os pulsos amarrados. Como os meus.

 

A minha ideia era que ela desamarra-se a dele para ele desamarrar a minha. Mas e se ele não desamarra-se a minha? Eu nem conhecia aquele homem.

 

Então, eles terminaram o processo e vieram buscar uma nova isca. Levantaram um homem velho, diferente do que estava ao meu lado, mas aquele homem se debatia com veracidade.

 

Aproveitei que estavam distraídos, e consegui me levantar. Mas quando fui dar impulso para correr, alguém me puxou, me levando ao chão de costas, com tudo.

 

– Nem pense nisso! Ninguém sairá daqui! – berrou um deles, mas reconheci a voz, era o líder.

 

Eu vi o reflexo de alguém agarrando o líder por trás, e o puxando para fora da minha visão já turva. Senti um baque, e depois algo se rasgando.

 

Juntei minhas forças para me levantar, e senti algo nas cordas dos meus pulsos, e depois, meus braços livres para se movimentarem.

 

– Levante-se! – berrou o homem que estava ao meu lado antes.

 

Eu o fitei, e vi o líder se levantando atrás, tirando algo do bolso da calça. Uma arma.

 

Entrei em pânico, e puxei o homem que me libertou para o lado, o fazendo rolar, felizmente fazendo os tiros não o acertarem. Levantei e corri para cima do líder, o empurrando de volta para o chão, tirando a arma em punho.

 

O soquei diversas vezes, mas ele era resistente, me jogando para o lado e trocando as posições, agora quem apanhava era eu. Senti meu rosto ficar dormente por conta das porradas, mas o meu agora parceiro de fuga deu-lhe um chute nas costelas, o tirando de cima de mim.

 

Ele me levantou com rapidez e corremos o mais rápido para um tipo de balcão que tinha no local. Meu parceiro tinha uma pistola em mãos, e trocava tiros com os presentes no recinto. Não sabia de onde ele havia pego aquela arma, mas de uma coisa eu sabia: aquele balcão não ia aguentar por muito tempo. As balas nos perfurariam em breve.

 

A fumaça do local já estava me fazendo passar mal. O cheiro de carne queimada ainda impregnava minhas narinas.

 

– Com certeza não tem só eles aqui! – gritou ele, em meio aos tiros. – Temos que fugir! Você me ouviu!?

 

Ouvi o que ele disse. Mas não conseguia processar nada. Eu estava perdendo meus sentidos aos poucos.

 

Senti que ele agarrou meu braço, me levantou e correu meio que me levando junto até a porta do recinto, e ouviu uma bala passar de raspão pela minha cabeça.

 

Já fora do recinto, recobrei um pouco da minha consciência, então corremos o quanto podíamos. Ele trocava o pente da arma enquanto isso, e eu quase não via nada pela escuridão do corredor que seguíamos sem saber o destino que iria oferecer.

 

Havia muitos pedaços de vidro, metal e concreto pelo chão. Os terremotos atingiram esta construção, sem dúvidas. Imaginei que não duraria nem 2 meses em pé.

 

– Essa construção está só a rapa. Algo que faça impacto nas paredes, alguma explosão, iria desabar isso aqui muito rápido. – comentei.

 

Viramos o corredor e me deparei com uma janela no corredor. Rapidamente me aproximei para ver, pois havia uma claridade estranha saindo dela. A janela dava visão para um piso baixo.

 

Olhando mais atentamente, constatei que havia três pessoas amarradas, de joelhos e com as bocas tampadas por um pano amarrado atrás da cabeça.

 

E fiquei surpreso.

 

Uma delas era a Joana.

 

Há alguns minutos atrás, pensei que ela estava... morta.

 

– Vamos logo, não tem nada aí! – disse ele, afobado.

 

– Joana! Ei! — gritei pela janela. Ela não sabia de onde saia o som, mas olhou freneticamente ao redor para saber. Até que finalmente me viu, e seu rosto estava totalmente atordoado.

 

– Precisamos sair desse lugar! – berrou o meu até então parceiro, voltando para o corredor, mas antes, eu o puxei com intensidade pelo ombro.

 

– Não viu? Há pessoas ali embaixo!

 

– Não conhecemos esse lugar!

 

– Não há ninguém para nos impedir de tira-los de lá, acabei de ver! – falei, com certa impaciência.

 

Se deixássemos eles lá, aqueles caras fariam a mesma coisa que haviam feito com as pessoas anteriores.

 

E eu não sairia daquele lugar imaginando isso.

 

– Acho que no fim desse corredor há alguma escada. Vamos, daí talvez estaremos mais perto da saída também. – argumentei para tranquiliza-lo, porém se havia alguma incerta naquela frase, eu diria que tinha sim, por inteiro. – Qual o seu nome, afinal?

 

– Bruno. Sargento da 2 CIA. – respondeu ele, enquanto finalmente achamos a escada para o andar de baixo.

 

– Carl. Apenas Carl. – respondi, descendo as escadas com pressa.

 

Encaramos um salão enorme sem absolutamente nada, nem móveis, parecia uma residência abandonada. Procurei ao redor alguma porta ou abertura, e me deparei com uma entrada. Me direcionei à ela, com Bruno em meu encalço.

 

Estávamos em um corredor novamente. Diabos, prédio grande do cacete.

 

Abri a primeira porta mais próxima, e finalmente, adentramos o recinto onde eles estavam presos.

 

Corri até Joana e tirei o pano amarrado em sua boca, e ela começou a falar desesperadamente.

 

– Eles vão voltar! Eles saíram porque ouviram os barulhos vindo de cima!

 

– Então não temos tempo. – disse Bruno, desamarrando as outras duas pessoas, enquanto eu desamarrava Joana.

 

E então, ela me abraçou em seguida.

 

Admito que foi estranho. Mas naquela hora, permiti retribuir o abraço.

 

Ainda bem que ela não viu ou sentiu o que eu senti lá encima.

 

Ela com certeza estaria mais apreensiva do que já estava.

 

– Acalme-se, vamos sair daqui. – tentei acalma-la, ajudando-a a levantar-se.

 

Tinha um rasgo em seu casaco, e estranhei por um momento. Percebendo meu olhar, ela meneou a cabeça.

 

– Não, não! Isso foi do terremoto! – respondeu ela, um pouco acanhada.

 

Eu assenti. Parece que aqueles lunáticos achavam melhor queimar pessoas vivas do que qualquer outro sacrilégio.

 

Nos apressamos para fora do recinto, e quando chegamos ao salão vazio, ouvimos passos vindo das escadas.

 

– ********dos! Voltem aqui! – berrou o cara, felizmente, era só um.

 

Segurei a mão de Joana e corri, arrastando-a junto.

 

Bruno atirou no homem com sua pistola em mãos, mas ela descarregou, e não havia mais pente disponível. Só nos restou correr.

 

Conseguimos sair da residência, mas o homem continuava disparando contra nós.

 

Em momento algum olhei para trás, apenas corri, até que não ouvi mais tiro algum.

 

Permiti dar uma olhadela, e constatei alguém estirado no chão, no meio da rua deserta, e alguém em pé ao seu lado, olhando-o, como se quisesse constatar que estava morto.

 

Era o Bruno.

 

E olhando mais atentamente, vi que quem estava estirado no chão, era o cara que estava atirando em nós.

 

Nem ao menos quis saber como ele executou aquilo.

 

Apenas continuei correndo, com Joana em meu encalço, sem parar. De súbito, virei com ela, procurando o Sargento.

 

Ele já nos acompanhava, limpando suas mãos, segurando uma outra arma.

 

 

Capítulo 2:

 

O sol nascia, clareando os céus antes tão cinzas, por um azul fraco.

 

Caminhamos em silêncio depois do que aconteceu. Antes, eu havia voltado com Bruno para checar se realmente... o até então, inimigo, não era mais uma ameaça.

 

Quando chegamos perto, seus sentidos já estavam perdidos. O seu semblante era inexpressivo.

 

Sangue em suas roupas e um furo em seu *****.

 

Me afastei depressa após isto. Me dava desgosto.

 

E me dava culpa.

 

Quando voltamos, apenas Joana permanecia. Os outros dois que haviam fugido conosco tinham ido embora.

 

– Ele está morto, sem dúvida alguma... – falei após um tempo. – Eu não entendo como vocês podem fazer isso com tanta facilidade. – deixe escapar.

 

Minha expressão era vazia. Eu não sabia como reagir. Mas estava grato por estar a salvo.

 

Porém triste por causa daquela vida.

 

– Não seja tão sentimental. Nesse mundo é matar ou morrer. – respondeu Bruno, um pouco grosso. – As coisas estão mudando agora. – complementou ele, diminuindo seu tom de voz.

 

– Certo, mudou. Mas ainda não aceito isso. – eu disse, um pouco mais para mim mesmo do que para os presentes.

 

O sol estava ficando mais forte agora. Finalmente eu conseguia sentir algum mormaço natural.

 

– O que a gente faz agora? – questionou Joana. Ela estava um pouco afobada, e apertou minha mão ferida, despertando certa ardência ali. – Para onde nós vamos?

 

– Sinceramente não sei. – respondi, desmotivado.

 

Ela soltou minha mão e cruzou os braços, aquecendo-se.

 

– Talvez a gente possa ir por ali. Acho que estamos numa zona comercial. – falou ela, observando o seu redor.

 

E realmente estávamos numa zona comercial.

 

Olhei ao redor, agora com mais atenção. Muitas lojas estavam destroçadas, e pareciam já ter sido saqueadas a tempos.

 

– Ei, ei! – chamou uma voz desconhecida.

 

Virei de súbito, Joana e Bruno também.

 

Havia duas figuras masculinas próximas. Um deles tinha cabelos castanhos, olhos verdes e pele bem clara.

 

O outro era moreno, tinha olhos castanhos e um semblante bem carrancudo.

 

Todos se fitaram em silêncio.

 

Carl olhou mais atentamente para checar se eles não faziam parte do grupo de antes.

 

– Quem são vocês? – perguntou Bruno, quebrando o silêncio formado. Eu pude ver de soslaio que ele tinha uma das mãos na cintura. Mais especificamente, mãos na sua arma.

 

– Sou Michael. – respondeu o homem de cabelo castanho. – E este aqui é John. — complementou ele, apontando para o companheiro ao lado. Este era carrancudo e moreno.

 

— O que querem? — perguntei, sem delongas.

 

— Na verdade, não queremos fazer nenhum mal. — tranquilizou Michael, dando um passo para trás. — Só queremos... saber se podemos nos juntar a vocês.

 

— Vocês estão aqui a quanto tempo? — quis saber Bruno.

 

— Não muito. Estávamos em um shopping, não muito longe daqui com um pessoal... — começou o homem nomeado como John.

 

— Daí teve algumas brigas, e nos separamos. Eu, John e mais uma mulher, a Esther. Então uns loucos religiosos apareceram e nos trouxeram pra cá. Conseguimos fugir bem antes, mas não achamos a Esther... — concluiu Michael, levemente angustiado.

 

Pensei na mulher que havia sido queimada em minha frente a algumas horas atrás.

 

Engoli um seco e permaneci calado.

 

— Certo... podem vir conosco. Mas se mantenham atentos. — alertou Bruno, rígido como aparentava ter costume de ser.

 

Os dois se aproximaram, mas mantiveram certa distância entre nós.

 

Nos mantivemos caminhando em silêncio, verificando se alguma loja havia algum suprimento disponível para usufruir. Infelizmente, sem sucesso.

 

Uma neve bem fraca começou a cair, mesmo contando com o fato de que o sol permanecia lá.

 

– É... abandonaram esse lugar mesmo. – comentou Michael.

 

Perigosamente passamos por uma rachadura no asfalto. Mas felizmente, como estávamos em bom número, com cuidado, passamos sem demais complicações.

 

Porém foi um processo que requeria bastante atenção. Sorte que tínhamos o Bruno conosco para dar instruções. Ele realmente sabia como ser um líder.

 

Quando passamos, se deparamos com mais outras lojas. Me virei novamente, fitando a rachadura no chão e pensei um pouco.

 

– Este obstáculo é interessante. Será que alguém passaria por ele para vir para cá? – questionei, incerto.

 

– Nós passamos. – respondeu Bruno, me olhando como se eu fosse algum tipo de espécie desconhecida.

 

– Mas não acho que igualmente pessoas se arriscaram nisto antes. – comentei.

 

– É verdade. – comentou John, se aproximando. – Talvez essas lojas tenham alguma coisa para aproveitar.

 

Ele seguiu até a entrada da loja, e sem se importar com os demais, a adentrou, sumindo de vista.

 

– Vamos entrar também. – falou Michael, adentrando a loja em questão.

 

– Acho que não precisaremos ficar tão preocupados. – disse Joana, pela primeira vez desde que nos juntamos a aqueles indivíduos. – Talvez não vamos encontrar mais aqueles caras. – complementou ela, deixando claro do porquê que eu fiz aquela pergunta sobre a rachadura antes.

 

Michael e John voltaram, meneando a cabeça um pouco desamparados. Compreendi automaticamente que não encontraram outra vez suprimentos.

 

Mesmo que o local estivesse completamente deserto, nós seguíamos caminhando sem tentar fazer muito barulho, ou muito menos conversando.

 

Havia folhas de papel voando pelo ar, poeira se juntando a nossas roupas, mais rachaduras com dimensões absurdas pelo asfalto e uma quantidade incrível, quase inimaginável de desmoronamentos. Prédios, casas e outros tipos de estabelecimentos tinham uma aparência desprezível.

 

– Eu acho que aquilo é um mercado! – exclamou Joana, se animando.

 

Nós não tardamos a correr em direção ao mercado. Esse parecia não estar tão prejudicado quanto os outros demais estabelecimentos.

 

Fiquei animado também, mesmo sabendo que havia uma taxa de 90% de que não havia nada para aproveitarmos.

 

Nós nos aproximamos da entrada, e decidimos nos dividir para procurar alguma coisa.

 

O corredor que me dirigi não tinha descrição própria. Mas de cara vi que não havia muita coisa para usufruir.

 

Havia certo cheiro detestável, por conta da grande quantia de comida podre. Tentei o máximo achar algo que prestasse, e por incrível que parecesse, achei três barras de chocolate e duas barras de cereal são e salvas. Pelo menos não sairia de mãos vazias.

 

Continuei procurando até que desisti, e voltei para a entrada. Esperei o restante deles se juntarem a mim outra vez.

 

No total, levando em conta do que achei, 20 unidades de comida enlatada e seis garrafas d’água.

 

Já era um começo...

 

– As carnes estão podres. – disse Bruno, se sentando em um canto.

 

– Tem muita coisa podre nesse lugar. – comentei, me aproximando do caixa.

 

Lá havia mais doces. Dei de ombros e peguei o que havia restado, voltando para o grupo.

 

Ofereci doces a Joana, que aparentava ser a única pessoa na necessidade de comer doces em uma hora como aquelas, e acabei tornando a comer uma barra de chocolate.

 

– Sua idade mental já passou dessa, tu não acha, não? – questionou John, sentando-se no chão sujo, com Michael em seu encalço.

 

– Você não gosta de doce? – perguntei à ele, fazendo um tom perplexo.

 

– Quem não gosta de doce? — perguntou ele, dando um meio sorriso. Sua carranca aparentava disfarçar algum tipo de humor.

 

– Diabéticos? – respondeu Michael, dando de ombros. Acabei deixando uma risada escapar.

 

Ofereci doces ao Bruno, mas ele me olhou como se não pudesse acreditar no que eu estava fazendo. Dei de ombros, e continuei comendo.

 

– Vocês são de onde? – perguntei, tentando produzir algum dialogo promissor.

 

– Cresci aqui, vivo aqui desde sempre. – respondeu Michael.

 

– Sabe onde está sua família? – perguntei, com certo interesse.

 

– Sinceramente? Não sei. Posso viver aqui, mas me afastei deles... – respondeu Michael, mostrando um pouco de amargura.

 

Tentei parecer indiferente. Se eu demonstrasse mais interesse, não faria bem à ele.

 

– Eu nem sei ao menos onde estou, mas não deve ser longe de onde eu moro. – comentei.

 

– Me mudei para cá a pouco tempo. – falou Bruno, mastigando uma barra de cereal. – Eu servia o Exército no Brasil. Achei uma oportunidade de emprego melhor aqui e me mudei. E bem... tudo isso aconteceu.

 

– Eu morava no México. Minha família se mudou para algum lugar daqui, que... não lembro e nem sei mais onde estamos. – começou Joana, captando minha atenção. – Meu pai sempre foi uma pessoa muito religiosa. Quando o terremoto aconteceu... ele disse que era coisa de Deus. Saiu de casa, e minha mãe foi atrás dele... mas ela sumiu. Eu corri para longe de lá. Eu não sabia o que fazer, e se eu tivesse ficado lá, com certeza morreria com o desmoronamento. Foi quando encontrei você naquele mercado, Carl. – complementou ela, fugindo um pouco do foco do assunto.

 

Todos permaneceram por um momento em silêncio. Era difícil formar alguma coisa para dizer naquela situação.

 

Vi pessoas sendo atropeladas, mortas e queimadas. E até agora estou traumatizado com isso. Provavelmente teria este trauma para sempre. Tentava não pensar nas coisas que ocorreram em tão pouco tempo.

 

Porque talvez eu perderia a razão, e me tornaria simplesmente um louco.

 

Eu não conseguia imaginar qual era o estado de Joana naquele momento. Por fora, ela aparentava estar tranquila.

 

Aparências enganam facilmente.

 

– Então... como era seu pai? – perguntou John, quebrando o silêncio. Ele se ajeitou no chão duro e gelado, procurando uma posição mais confortável para permanecer.

 

– Você quer dizer... personalidade? — questionou ela, incerta.

 

– O que você achar melhor. – respondeu John, dando de ombros.

 

– Ele tem uma personalidade complicada, então acho que é mais fácil descrever a aparência. – comentou ela, pendendo o pescoço para o lado, pensativa. – Ele é bem parecido comigo, exceto pela boca e o nariz. Eu sempre fui mais parecida com a minha mãe.

 

– Você tinha dito que ele era muito religioso, não tinha...? – quis confirmar John, a fitando com mais atenção.

 

– Sim... eu disse.

 

– Não acha que ele talvez esteja envolvido com aquele grupo? A reação que ele teve quando o terremoto aconteceu é muito peculiar, e se me lembro bem, havia um sotaque latino na fala de um deles. – comentou ele, mas sua hipótese tinha certa acusação incluída.

 

– E-Eu não sei. – gaguejou Joana, chocada. – Nunca que eu imaginaria ele fazendo alguma coisa tão ruim...

 

– Desculpe se estou sendo intrometido ou grosso, ou qualquer outra coisa ruim, mas... Joana, você realmente conhece seu pai? — questionou John.

 

– Não. Acho que não. – admitiu ela.

 

E mais um momento de silêncio. Os olhos de Joana brilhavam. Em algum momento ela iria desabar.

 

– Eu vou... ver se acho mais alguma coisa. – disse ela por fim, levantando-se, e caminhando até a entrada de um dos corredores da loja.

 

– Bem... só faltou eu. – comentou John, após um momento. – Moro aqui também, com meu filho. Mas ele foi fazer uma visita na casa da minha ex-esposa. E desde que tudo começou... não faço a mínima ideia de onde ele esteja. – concluiu ele. Havia certa angustia em sua voz.

 

– Isso deve ser... difícil. – respondi, simplesmente. Nunca que eu conseguiria me por no lugar de alguém que já é pai.

 

E mais silêncio.

 

– Vou ir ver onde está Joana. – falei, tentando ser educado. Eles assentiram sem interesse.

 

Levantei-me e me dirigi até o corredor onde ela tinha adentrado.

 

Era o corredor de produtos para pele e cabelo. Quando a achei, ela segurava um shampoo em mãos.

 

Quando me aproximei, ela não se virou para constatar, apenas fitava com demasiado interesse o rótulo do produto.

 

– Você gosta de ler rótulos, por acaso? – questionei, pegando um shampoo na prateleira.

 

– Sim. – respondeu ela, com sinceridade. Eu apenas a olhei como se houvesse um ponto de interrogação enorme em minha testa. – É bom para passar o tempo. – continuou ela, virando o produto. – Muitos nomes estanhos.

 

Suas mãos na embalagem aparentavam estar tremendo. Eu a observei por um momento, fingindo estar observando o shampoo que eu havia pego.

 

Com certeza ela estava tentando se acalmar.

 

De uma forma bem estranha, se me permite dizer.

 

– Não estou tão certa de que estamos a salvo ainda. – comentou ela, devolvendo o shampoo para a prateleira. – Se eles nos acharem, seremos queimados.

 

– Porquê essa alteração de argumento agora? E como sabe que seremos queimados? – questionei, franzindo o rosto.

 

– Um deles disse. – explicou ela, inquieta.

 

Ela caminhou para o próximo corredor, comigo no encalço. Eu estava num tédio enlouquecedor, então a segui sem a constatação disso.

 

Ela achou um pacote de milho de pipoca e eu nunca vi seu rosto mais alegre.

 

– Será que podemos usar um micro-ondas? – perguntou ela, franzindo o rosto.

 

– Se aqui tiver um gerador, sim. Caso contrário, a resposta é óbvia. – respondi, olhando ao redor. – Eles normalmente ficam no porão... – complementei, caminhando para um outro corredor.

 

Em um canto do estabelecimento, havia várias vassouras e produtos de limpeza, mas aparentavam ser de uso no próprio mercado. Caminhei até lá e vasculhei o local.

 

Embaixo de alguns panos sujos, consegui achar o bendito gerador. Ele estava totalmente empoeirado e muito velho. E era portátil.

 

Com a maior das minhas habilidades, por conta de sempre tenho... tinha problemas de eletricidade na minha casa, me agachei até o equipamento e liguei o gerador.

 

O local se iluminou completamente. Até pisquei meus olhos, me acostumando a claridade.

 

Joana bateu palmas e meneei a cabeça. Ela realmente parecia uma criança.

 

– Agora só falta o micro-ondas! — disse ela, olhando para todos os cantos.

 

– Pensando bem... nem sei ao menos se temos um micro-ondas aqui. – constatei, franzindo o rosto. Como eu não havia questionado isso antes? – Vamos ver nos fundos.

 

Me levantei, e havia uma porta com uma placa escrito “SOMENTE FUNCIONÁRIOS” exatamente próxima a nós. Eu a abri, adentrando o recinto.

 

Havia dois sofás pequenos no local, e no outro lado havia uma pequena cozinha. Tinha uma porta branca perto de um dos sofás. Talvez seria o banheiro.

 

Também havia alguns armários, provavelmente para guardar os pertences dos funcionários que trabalhavam lá.

 

O mercado não era tão grande, então não me surpreendi por ser um lugar tão simples.

 

Me aproximei até o lado da cozinha e achei um micro-ondas, bem velho, mas ligado. Sinalizei para Joana, que vinha em meu encalço, que foi animada até o equipamento para esquentar a bendita pipoca.

 

A observei enquanto esperava com ansiedade o alimento ficar pronto. E me surgiu certa dúvida.

 

Sempre fui uma pessoa que não tolerava indiretas, portanto, bem, fui direto.

 

– Joana, você não se sente desconfortável com a minha presença? – perguntei, a fitando com atenção.

 

– Porque está perguntando isso? – questionou ela, franzindo o cenho.

 

– Levando em conta que te conheço há... mais ou menos três dias, acredito que deve ser um pouco estranho ter um cara como eu associado à você atualmente. Levando em conta igualmente que sou quase duas vezes mais velho que você. – Disse a ela, de maneira casual.

 

– Mas você não é uma má pessoa. – respondeu ela, dando de ombros. – Você me ajudou a sair daquele lugar.

 

– Porém de qualquer forma, não compreendo que embora poderia ter determinado vínculo de confiança intenso. Admito que acudi, entretanto no unânime, quem protegeu a todos foi Bruno. – argumentei.

 

– Você fala... é... é complicado entender o que você fala. – comentou ela, e percebi que ela aparentemente não tinha entendido nada que eu disse.

 

– Me perdoe se eu estiver abusando de seu espaço. – eu disse por fim. Meu objetivo na verdade era simplesmente este.

 

Ela podia ser mais nova, mas era uma mulher.

 

Eu não sabia se o que fazia ou deixava de fazer a deixava aborrecida, irritada, entediada, ou seja lá o que fosse. Com homens era mais fácil perceber isso, mas o diferente é que eu não me importava tanto.

 

Portanto era melhor se desculpar o quanto antes com uma mulher, para que ela não exploda. Mas, se ela explodir mesmo, pelo menos tentei ser educado.

 

E sinceramente Joana é uma boa garota. Sua companhia é descontraída.

 

Sinto que para ela não há tempo ruim.

 

Particularmente, tal personalidade me causa certa inveja. Queria eu ser alguém do gênero.

 

– Não, não, sério. Não se preocupe com isso. Você é legal, Carl. Não tem porque se desculpar, você não fez nada pra me aborrecer. – respondeu ela, com um sorriso.

 

Ao mesmo tempo, o micro-ondas apitou. Ela abriu o eletrônico com uma velocidade animal, retirando o pacote, quase o deixando cair no chão pela temperatura.

 

– Não seja imprudente, vai queimar suas mãos desta maneira. – alertei, meneando a cabeça.

 

Ela apenas me fitou com cara de tapada e abraçou o pacote, se aquecendo com o próprio. Ato criativo, admito.

 

– Eu vou retornar para avisa-los sobre esta paragem. Será apropriado para nos acomodar. Fique aí e coma a pipoca. – auxiliei, me dirigindo a porta que entramos.

 

– I ce elis quisêreim pipócá tambeim? – questionou ela, com a boca cheia, se sentando em um dos sofás.

 

– Não fale de boca cheia, é deselegante. – alertei, com certo desgosto. – Se eles quiserem pipoca, é só eles pedirem. A não ser que você coma tudo antes deles chegarem.

 

Ela apenas levantou a mão e fez o sinal de positivo com o polegar. Tive que sorrir.

 

Joana era uma perola.

 

Contudo, duramos uma semana naquele local.

 

Tínhamos suprimentos o suficiente, e com o gerador nos dando energia, tivemos uma possibilidade maior de comer nossos alimentos.

 

Mas o lucro não era só este.

 

Conheci meus companheiros de uma maneira melhor. E para passar o tempo, inventávamos certas brincadeiras.

 

Joana sempre inventava as melhores. Sua criatividade era gritante.

 

Bruno no começo não quis brincar, na verdade se manteve mais fechado que o restante. Mas a partir de um momento deixou de ser tão reservado. O que de certa forma me deixou alegre.

 

Já fazia bastante tempo que eu não me relacionava com pessoas daquela maneira.

 

Acabamos criando uma certa linha de confiança. Seja lá o que acontecer dali em diante, sabíamos e tínhamos certeza: estaríamos juntos, como um verdadeiro grupo.

 

Era uma manhã quente. O vento, embora frio ainda, me deixava calmo. O inverno estava acabando, e a primavera finalmente chegando.

 

Eu estava na frente do mercado, esperando que eles se aprontassem para que nós pudéssemos sair e procurar outro refúgio. Com aquele inverno de antes, achávamos melhor permanecermos naquele lugar, até que o tempo mudasse e pudéssemos ficar mais confortáveis para sair.

 

Desde aquele dia, o dia em que tudo aconteceu, não houve mais terremotos.

 

Ouvi um barulho de botas na neve já casta, e me virei.

 

E gostaria de não ter saído do mercado antes de todos.

 

– Onde está ela? – perguntou o homem, apontando uma arma em minha direção.

 

– Ela quem? – franzi o rosto, não entendendo. Mas só havia uma “ela” que eu conhecia naquele momento.

 

E sem dúvidas aquele homem não aparentava ser uma pessoa amigável para conhece-la.

 

– Não se faça de estupido, infeliz! Diga-me onde ela está! – exclamou ele, e um grupo se aproximou. Os mesmos também estavam armados, e agora da mesma forma que o homem a minha frente, apontaram suas armas na minha direção.

 

– Estou sozinho. – respondi, duvidando da eficácia da minha resposta, levantando as mãos para o alto.

 

E então reconheci um dos homens naquele grupo.

 

Ele tinha um dos olhos com uma venda, aparentando um certo inchaço.

 

Com certeza era o cara que havia me raptado antes.

 

Engoli um seco e implorei mentalmente que meus companheiros não vissem ao meu encontro agora.

 

Talvez nem agora e nem nunca.

 

Ele destravou a arma e a segurou com mais intensidade.

 

– Me informaram que você não saiu de lá sozinho. – disse ele, se aproximando de mim, encostando a arma em meu *****.

 

– Nós nos separamos. Não havia o porquê de permanecermos juntos até agora. – respondi, mais tenso com aquilo próximo a mim.

 

– Você sabe onde ela está. Posso ver em seus olhos. – teimou ele, me olhando ameaçadoramente.

 

– Já disse que estou sozinho. Me leve logo se quiser fazer algo comigo, por favor. – pedi-lhe, tentando demonstrar maior aflição.

 

Mas eu não estava aflito porque estava com medo de ir.

 

Eu queria que eles saíssem dali, nem que me levassem juntos. Se eles verem o meu grupo...

 

Todos morrerão queimados.

 

– Pai? – pronunciou alguém.

 

 

Pela voz, eu já sabia quem era. E aquilo simplesmente acabou com a minha tentativa de salva-los.

 

Virei para fita-la. Um grande aperto corroía meu coração.

 

Mas... “pai”?

 

– É você... é você mesmo, pai? – questionava ela, com os olhos vermelhos. Deles já desciam lágrimas, e eu olhei para fitar o homem a minha frente.

 

Eles eram parecidos, tive que admitir. Exceto pela boca e pelo nariz.

 

Exatamente como ela havia dito antes.

 

– Você vem comigo. – falou ele, sem delongas, puxando Joana pelo braço.

 

– Mas pai, o Carl... – começava ela, confusa.

 

– É... este tal de Carl mentiu para mim.

 

E então, um disparo.

 

Dor...

 

Sangue...

 

Meu ***** doía. Ardia. Pulsava.

 

O ar esvaziava meus pulmões.

 

Senti meus joelhos baterem no chão com força, mas não senti o total impacto.

 

Por fim... a escuridão me abraçou como uma criança solitária.

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Hagaro-sempai

I'm the pink on the forum.

The g0y in the wall.

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Mano, você tá de parabéns. Achei bem legal a ideia da história e você tem um jeito bem maduro de escrever. E a menina é muito daora. Fiquei curioso pra saber o que vai acontecer depois.

 

Mas olha só, cara. Tem algumas pequenas ressalvas quanto ao português.

Nesse caso seria atônita ao invés de atônica, desamarrasse, ao invés de desamarra-se

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